Era noite, mais uma vez, e Sophia fazia uma de suas caminhadas pelas ruas mal calçadas do seu bairro. Diferentemente delas - as quais, à medida que a escuridão as tomava, eram preenchidas pelas luzes dos postes, que acendiam uma a uma - seu interior era tomado pela cegueira subsequente ao apagar de suas esperanças.
Caminhava com pesar, como se o coração lhe fosse uma pedra de mármore que afetasse até seu equilíbrio. Sophia preferia um infarto, decerto, tamanha agonia que essa sensação lhe causava. "É esse o preço que pago por não ser tola?", pensava. Num mundo onde a maioria escolhe o ordinário, o superficial, haveria espaço para alguém que pensa e sente além?
Enquanto se arrastava até sua casa, também se questionava se ela não seria, afinal, a única tola da história. Pois eram o seus sentimentos que estavam destroçados. Os ordinários, os mesmos que ela julgou estarem desperdiçando suas vidas, sorriam todos os risos que a dor lhe roubou. A dor causada por essas mesmas pessoas. Se somos quem somos porque existe o outro para lhe afirmar isso, entende-se que as relações que estabelecemos são essenciais para a nossa existência. Mas era isso: para quê ter tanto a oferecer, se suas relações mais próximas não a tocavam da mesma forma? Pelo menos não de forma que não fosse mais destrutiva do que construtiva. E era duro ter que reerguer-se sozinha.
Chegou em casa, finalmente. Entrou em seu quarto, fechou a porta, deitou na cama. Desejou, com toda a força que ainda lhe restava, que conseguisse fazer uma reflexão positiva à respeito. Não conseguiu. Nem mesmo as palavras a confortaram dessa vez. A vida é mais do que apenas existência. Mas se naquele momento ela apenas existisse, a dor estaria camuflada e ela poderia acender-se, ainda que artificialmente. Mas não.
Apagou-se de vez.